Mudar, imperativo da vida

Os sistemas estáticos são mortos; as ideias engessadas são dogmas intolerantes; as instituições inflexíveis são tiranias. A vida acontece na transformação. Tudo flui. O tempo sangra como hemorragia porque vaza a existência por um ralo cruel. Mas não há como estancar o escoamento das horas.

Mudar é aceitar a inexorabilidade do tempo; é reconhecer a impossibilidade de lançar ganchos, estacionar, e recusar o imperativo divino: “Manda que o povo marche”.

Machiavel afirmou:

“Não há empresa (tarefa) mais difícil de conduzir, mais incerta quanto ao êxito e mais perigosa, do que a de introduzir novas instituições. Aquele que nisso se empenha tem por inimigos todos quantos lucravam com as instituições antigas, e só encontra tíbios defensores naqueles aos quais as novas se aproveitam”.
Vem de José Comblin a expressão”teologia cínica”. Teologia cínica é a que sistematiza verdades sem criticá-las ou que repete conceitos cristalizados pelo senso comum. Para Conblin, o sentido de “cínico” está conectado ao foco do pensar: quando a defesa do argumento ou do conceito é priorizada sem sensibilidade aos indivíduos. Falar em tese, pensar a partir de absolutos, reduz a linguagem religiosa ao teorismo da torre de marfim. Acontece que a experiência de Deus na história é de inquietação e não de apatia. A verdade, se pretende ser verdade, deve ligar-se à vida e não ao argumento que satisfaz uma lógica interna.

Hannah Arendt acertou ao afirmar que milagre é a interrupção de qualquer processo automatizado. Mudar é alterar o que outrora se considerava inamovível; é reverter o irreversível. Profetas não encalacram futuro dentro de suas previsões, mas o libertam para infinitas possibilidades. O futuro se bifurca em trilhões de esquinas a partir das decisões livres de homens e mulheres. Os profetas apenas alinhavam o porvir para depois ensinar os pontos que firmariam as costuras.

Mudanças comportamentais são estimuladas entre religiosos, mas mudanças conceituais são vistas como anátemas. Jesus, logo depois de ter dito aos discípulos que era a Verdade (Jo 14.6), prometeu que o outro Consolador, o Espírito Santo, os conduziria a mais Verdade. Jesus tinha muitas coisas para ensinar, mas os seus seguidores mais próximos ainda não estavam prontos para suportar: “Ele vos guiará a toda Verdade” (Jo 16.13). Eles deveriam manter o coração ensinável, a mente flexível e o coração sensível porque o caminho para a Verdade não se exaurira e nem se esgotaria tão cedo.

Mudar, portanto, significa se abrir para verdades que outrora não encontravam porto na interioridade. Mudar é admitir que nunca estamos totalmente prontos para entender tudo. Mudar é aprender a deixar para trás o que outrora nos encantava para absorver o que os olhos nunca viram, os ouvidos nunca ouviram e nunca o coração humano intuiu. Mudar é abrir mão do que antigamente fazia sentido para que resplandeçam novos lampejos de sabedoria, lucidez e esclarecimento.

Soli Deo Gloria
26-05-10

Ricardo Gondim

Discipulado

“Onde estão as pessoas responsáveis, dispostas a sacrificar tudo quando, na fé e baseado apenas em Deus, forem chamadas à ação obediente e responsável, cujas vidas nada pretendem ser do que resposta à pergunta e ao chamado de Deus?”

Para Bonhoeffer, ser responsável e obediente ao chamado de Deus é aprender a olhar as pessoas menos pelo que fazem e deixam de fazer e mais pelo que sofrem, porque a única relação fecunda com as pessoas é a do amor, ou seja, a vontade de ter comunhão com elas, já que o próprio Deus não desprezou os seres humanos mas tornou-se ser humano por causa deles. Para isso, Bonhoeffer defende que aprendamos a olhar a história a partir de baixo, “da perspectiva dos excluídos, dos que estão sob suspeita, dos maltratados, dos destituídos de poder, dos oprimidos e dos escarnecidos, em suma, dos sofredores”.

Sobre Dietrich Bonhoeffer, aprosionado e martirizado por ordens de Hitler em 9 de abril de 1945, dias antes da rendição das forças alemãs e o fim da Segunda Guerra.

(Texto de Flávio Conrado)